Labels

20 de setembro de 2011

Brasil, jabuticaba e surrealismo

O Tribunal de Justiça deu ganho de causa ao Estado, com base na merenda escolar dos alunos. Uma multa que já beira os R$ 200 mil. Não se sabe a quem aplicá-la

Já foi dito que o Brasil é o laboratório dos sonhos de cientistas políticos e de outros tipos de especialistas em temas ligados às motivações sociais e coletivas. (De uns tempos para cá, tem desafiado até arautos da economia, mas essa é outra história). Somos o país - talvez o único no mundo -, que escolhe a lei que vai pegar e aquelas que serão solenemente ignoradas. Da faixa de pedestres aos assuntos de Estado. Você, caro leitor/internauta, deve conhecer uma lista imensa de coisas que só existem por aqui. Além da jabuticaba e o Carnaval, claro. Talvez estejamos um pouco mais distante do eurocêntrico Charles de Gaulle, para quem “O Brasil não é um país sério”. Melhoramos, é verdade. Mas ainda estamos longe de ser a tristeza de chargistas e analistas políticos. Damo-nos ao luxo de escolher apenas um ou dois temas palpitantes entre um sem número que jorram do noticiário. Todo santo dia. Um mais surreal do que o outro.

PISO, GREVE, MERENDA E MULTA
Um exemplo bem nosso de como é o Brasil: Essa greve dos professores, que já se arrasta há meses. Não é a causa única nem a principal, mas no contexto da queda de braço entre a categoria e o Palácio da Abolição está a lei do piso nacional. O Governo do Estado entrou no STF contra. Perdeu. Mas não cumpre o que a corte judicial máxima decidiu. Não bastando, entrou na Justiça. Contra quem? O sindicato, pedindo a ilegalidade do movimento. Até aí, a coisa já seria esquisita. E ficou mais estranha ainda. Em uma questão em que o mérito é o salário dos professores, o Tribunal de Justiça deu ganho de causa ao Estado, com base na merenda escolar dos alunos. Agora, vem a cereja: uma multa, que já beira os R$ 200 mil. Não se sabe exatamente a quem aplicá-la. O sindicato diz que apenas acata o que decide a categoria. Tenta, assim, eximir-se da multa. E a Justiça não tem como aplicá-la, difusamente, às dezenas de milhares de docentes. Simples assim.

MELHOR DO JEITO QUE ESTÁ
Velhos conhecidos um do outro, o PT e a imprensa vêm demarcando, cada vez mais, suas diferenças entre si. Como se sabe, em tempos recentes, essa relação era muito profícua para ambos. Era uma época em que um manto de confiança e cordialidade mútuas cobria a relação dos dois. Há pouco mais de uma década, a palavra de um petista era quase um documento. Um petista em uma redação de jornal era certeza de matéria exclusiva ou denúncia bombástica. Quando não era, também, manchete de jornal. Hoje, os tempos são outros. Felizmente. Pouco ou quase nada indica que a mudança de olhar do PT para os meios de comunicação – e vice-versa - tenha sido para pior. É muito possível que a sociedade, o fim último da atuação da imprensa livre, tenha algum tipo de prejuízo toda vez que acontece esse tipo de simbiose. Melhor do jeito que está.

RECAÍDA E CORRIDA CONTRA O TEMPO
Mas há um sentimento de recaída no ar. Vide o último congresso nacional petista. A passagem do documento final sobre o controle da mídia é um achado. A temperatura do texto lembra a velha década dos anos 1980. Onde tudo começou. O partido fala em “democratização” informacional. As empresas e vários setores profissionais reagem, tachando de “controle” e “censura”. Não é uma coisa nem outra. São apenas expressões que tentam dar conta de uma velha relação em um novo momento. Quer conhecer sua mulher ou seu marido? Peça o divórcio. Mas onde está a recaída? Está, justamente, na busca, consciente ou não, do PT de si mesmo. Mudar, o PT já mudou. E muito. É irreconhecível um partido, que já foi o que já foi, hoje não saber mais pedir um voto sequer, se não com base no ufanismo e favores governamentais. O que virá depois de tudo isso? O PT vai ficar igualzinho a todos os outros partidos que já passaram pelo poder? Todos os homens temem o tempo. Principalmente os poderosos.

A questão, agora, para os petistas, é saber como será o mundo quando eles perderem o poder. E isso vai acontecer. É fato. Será nas eleições do ano que vem. Ou na próxima, ou na próxima... Quando a face poderosa do PT ruge para a imprensa, é nada mais do que a tentativa de unidade interna – ou a construção do inimigo externo, dá no mesmo -, para que esse momento demore a chegar.



Erivaldo Carvalho

Fonte:  O POVO Online

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Procurando Algo? Pesquise Aqui!